Sunday, December 27, 2009

Planalto Telemaco

Telemaco, filho de Ulises, representa para mim a solução positiva do édipo. O seu irmão Telégono é um segundo Édipo que mata acidentalmente o pai (Ulises) e casa posteriormente com a mãe (Penelope).
Telemaco é, tal como o pai Ulises, um viajante. Mas, ao contrário do pai que tem como objectivo o retorno a Ítaca, um objectivo que eu diria negativo, o da volta ao início, o da recuperação, Telemaco, muito jovem, parte em busca do pai e descobre o mundo, a descoberta positiva da saída, do abandono do início.

E escrevo isto porque reparo que esta interpretação é minha. Não conheço nenhuma interpretação (psicanalítica ou não) deste personagem clássico: Telemaco.

A genialidade de Freud tem vários resultados, o mais conhecido é a utilização do clássico de Sofocles, o Rei Édipo, para falar, do sentimento de culpa pelos dois crimes que comete: homicídio e incesto. Édipo é um suicida, ele não sobrevive ao seu sentimento de culpa. É neste sentido que a viagem de Telemaco se torna positiva, Telemaco sobrevive à culpa, desviando-a: a culpa é de Telegono e não dele.

No texto de Sofocles esta interpretação não é explícita, Freud inventou esta interpretação. Freud, depois de Marx, é o grande interprete, o grande inventor de significados. Ele é o pai de todos os relativistas do significado. Freud interpretou tanto que seus filhos (os grandes filósofos do séc XX) não puderam deixar de o matar: a interpretação não está no texto. Será que não sobreviveram à culpa eles também?

O filme de Pasolini (Oedipus Rex 1967) é, neste sentido, uma visão muito mais psicanalítica do Édipo. Neste filme, Édipo é vítima do destino e depois do seu sentimento de culpa. O filme é um dos melhores de Pasolini e tal como muitos dos outros, uma história de encantar belíssima.

Falta-me agora ver o Édipo no teatro. Ou talvez procurar leituras de Telemaco, o Édipo positivo.

Deleuze no seu anti édipo (1972) descontrói o Édipo de uma forma semelhante ao que eu tento colar a Telemaco. O Édipo é posto de lado, o édipo é desvalorizado. Édipo é uma novela, mas há outras igualmente importantes, muitas outras. E é isto que tento colocar em Telemaco: há um mundo a descobrir para além do Édipo. Isto não está longe do anti-Édipo. A schizoanalysis de Deleuze e Guattari é um desdobrar do Édipo mas principalmente um fazer surgir outras novelas, outras esquizofrenias: o Édipo é só uma das esquizofrenias.

E aqui vejo eu a minha cada vez mais recorrente necessidade de me tornar académico do ponto de vista intelectual. Cada vez mais as ideias são referenciadas. É melhor repetir e misturar ideias de grandes pensadores do que progredir sozinho em círculos. Fazer isto é mais perigoso, mais neurótico, mas mais evolutivo: como o sobrehomem de Nietzsche que se apoia nos outros para se superar? A definição das referências para nelas construir os meus planaltos: o planalto Telemaco.

Deleuze, Bacon e o Édipo (no museu Berardo):


1 comment:

AmaliaPorAmor said...

Porque é que vês o regresso a Ítaca como algo negativo?